Carlos Zéfiro

Ota (assinando com seu verdadeiro nome Otacílio d'Assunção) publicou, em 1984, o livro O Quadrinho Erótico de Carlos Zéfiro, um estudo sobre a obra desse autor. Esse livro foi editado pela Record e teve 4 edições, porém atualmente está fora de catálogo e não será mais reeditado. O autor não dispõe também de exemplares para atender aos interessados.
Ota não se interessa mais pelo assunto. Segundo ele, a contribuição que tinha que dar sobre o assunto já foi feita com esse livro. O livro não será reeditado por diversos motivos. O principal é que está desatualizado. Quando O Quadrinho Erótico de Carlos Zéfiro foi publicado, o genial desenhista ainda era anônimo. Sua identidade só veio a público sete anos depois. Os dados novos que apareceram (não só a sua verdadeira identidade como a data de sua morte, bem como as edições originais que só apareceram depois) requereriam que o livro fosse completamente reescrito. Ota não tem tempo para isso, nem interesse em fazê-lo.

QUEM FOI CARLOS ZÉFIRO?

No final dos anos 1950 e durante praticamente toda a década de 1960 circularam clandestinamente, por todo o Brasil, os chamados catecismos, pequenas revistas de 32 páginas em formato aproximado 10x14cm que contavam histórias de sacanagem (obs.: chegaram a experimentar o formato 14x21 mas houve pouquíssimas edições nesse formato). O principal autor desse gênero, e também o melhor, assinava como Carlos Zéfiro e durante mais de trinta anos sua identidade foi mantida em mais absoluto segredo.
Inspirados nos notórios Tijuana Bibles publicados nos EUA nas décadas de 30 e 40, esses gibis quase artesanais eram distribuídos através de uma ampla rede clandestina que cobria todo o país e fizeram enorme sucesso. Qualquer pessoa que tenha na faixa dos 50 anos se lembra deles.
Naqueles tempos, não havia revistas eróticas vendidas livremente como hoje. Todas eram clandestinas. Elas eram vendidas por baixo do pano, de mão em mão e também nas bancas normais, só que às escondidas. Para comprar os catecismos era necessário ser da confiança do jornaleiro.

O homem que se escondeu durante trinta anos por trás do pseudônimo de Carlos Zéfiro era Alcides Aguiar Caminha. Alcides era funcionário público (e compositor nas horas vagas, sendo co-autor de A Flor e o Espinho, de parceria com Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito). Ele desenhava os catecismos como umbiscate para complementar o orçamento. A coisa ocmeçou meio de brincadeira. Estimulado pelo amigo Hélio Brandão (também já falecido), dono de um sebo na Praça Tiradentes (rio de Janeiro), Alcides produziu os primeiros catecismos, possivelmente no final dos anos 50 (como não há registros, é muito difícil precisar a data correta). Hélio se encarregava de providenciar a impressão e distribuição clandestinas dos catecismos, que chegaram a te mais de 2 mil edições diferentes (sendo cerca de 800 produzidas por Carlos Zéfiro). Outro autor que se destacou nesse período assinava Chang, mas não era tão conhecido mas nem é mais lembrado. Muitos desenhistas de quadrinhos profissionais também disfarçaram seus traços e produziram catecismos, publicados no mesmo esquema por outras "editoras" clandestinas.
Os melhores eram os produzidos por Carlos Zéfiro que, apesar das deficiências do traço, escrevi as melhores histórias. A história de um catecismo padrão deralmente começava, nas primeiras páginas, o personagem conhecendo uma moça, seduzindo-a mais ou menos até a página 15, e daí até a página 32 era sacanagem pura.
O curioso é que Zéfiro não era desenhista, mas sabia manipular os materiais de desenho, e era capaz de fazer uma história de quadrinhos decalcando, em papel vegetal , posições de revistas de fotonovelas e de revistas publicadas pela Editormex (onde baseou o seu estilo) e fotos eróticas fornecidas por Hélio. Por isso, a irregularidade entre os desenhos de uma mesma história é muito grande, pois quando não havia referências para decalcar os desenhos ficavam toscos. Ainda asim, comunicavam muito e eram uam verdadeira febre entre adolescentes e adultos daquela época.



Durante quase toda a década de 60 essa era praticamente a única literatura erótico-pornográfica disponível, já que ainda não havia revistas de mulher nua (a não ser a Playboy americana importada) nem vídeos-pornô. A decadência dos catecismos ocorreu porque começaram a aparecer revistas de fotonovelas suecas e dinamarquesas coloridas e o interesse do público se desviou. Outro motivo era a paranóia gerada pela ditadura militar brasileira, então no seu auge. Hélio Brandão chegou a ser preso em meados da década de 70 (durante a Copa do Mundo) e passou alguns dias na cadeia, mas nunca entregou a verdadeira identidade de Zéfiro. Depois disso, resolveu parar com a editora clandestina, pois estava tendo mais dor de cabeça do que qualquer outra coisa. As vendas tinham caído, era difícil arranjar os esquemas de impressão e distribuição devido à vigilância e paranóia que se intensificavam, e simplesmente pararam.
Mesmo assim, os catecismos sobreviveram, em menor escala, pois reimpressões piratas continuaram a ser feitas por pessoas que tinham as edições originais e davma um jeito de reproduzi-las. Até a década de 80 (já quando houve a abertura política) era possível se conseguir comprar as reedições piratas em feiras populares.
Além do livro escrito por Ota, outos livros similares foram publicados (complilando histórias de Zpefiro e seus congêneres) entre fins de 1983 e 1985 pela Editora Marco Zero, sob a cordenação do colecionador Joaquim Marinho, bem como uma revista Zéfiro que durou uma única edição, lançada pela Codecri. Essa revista publicou, através de um acordo com "representantes" de Zéfiro, uma história supostamente inédita que tinha sobrado quando a editora clandestina foi fechada. Mas mesmo nessa época (início de 1984) a identidade de Zéfiro não foi revelada.
O mistério sobre a identidade de Zéfiro durou muitos anos, pois o segredo foi muito bem guardado. O medo maior de Alcides era que, se fosse descoberto, poderia ser demitido por justa causa do serviço público. Somente em 1991 ele topou revelar sua identidade, e mesmo assim por uma circunstância estranha. Sabendo que um outro colega seu, o desenhista Eduardo Barbosa, estava dando uma entrevista para a revista Playboy se dizendo o verdadeiro Zéfiro, Alcides decidiu "se entregar" e desmascarar a farsa. Na realidade, Eduardo Barbosa desnehou vários catecismos, mas ele não era Zéfiro. Essa revelação coincidiu com a I Bienal de Quadrinhos, em novembro de 1991, quando foi realizada uma homenagem a Alcides e sua identidade veio a público. Nesse pouco tempo de vida que lhe restava, Alcides teve a justa homenagem e reconhecimento por seu trabalho.
Alcides morreu em 3 de julho de 1992, de derrame, um dia após de ter sido homenageado com banda de música e tudo numa solenidade onde recebeu um troféu HQ-MIX.
Carlso Zéfiro nunca foi esquecido e volta e meia seu nome vem à tona. Uma lona cultural em Anchieta (subúrbio do Rio de Janeiro/RJ) tem o seu nome, e a cantora Marisa Monte, em seu CD Barulhinho Bom, usou desenhos de Zéfiro para ilustrar a capa e o folder do CD. Recentemente as histórias de Zéfiro têm sido reeditadas em edições fac-similares no mesmo formato original.
Na Intenet é possível se encontrar muitas histórias de Zéfiro compiladas no site www.carloszefiro.com, mantido sem fins lucrativos por um fã. O livro o Quadrinho Erótico de Carlos Zéfiro, de Otacílio d' Assunção, está sendo disponibilizado em formato PDF, com autorização do autor.